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Retratos da ditadura finalmente contam suas verdadeiras hitórias

Foto de Herzog, em que supostamente teria cometido suicídio (foto de Sivaldo Leung Vieira)


Na foto da esquerda, Sérgio Jorge foi forçado a registrar como o corpo de Marighella teria sido encontrado. Na da direita, o fotógrafo refez a cena verdadeira 

Por Ana Laura Soares

Após 27 anos do final do período militar, fotógrafos confirmam as suspeitas do país. Fotos dos maiores nomes da resistência foram forjadas. Em 26 de outubro de 1975, o jornalista e militante do Partido Comunista Brasileiro, Vladimir Herzog, morreu na sede do DOI-Codi, em São Paulo. As autoridades alegaram suicídio, mostrando uma foto do jornalista que havia se enforcado com o cinto do próprio macacão presidiário. Mas a foto do corpo de Vlado levantou suspeita sobre a veracidade do registro.

Nela, Vlado está pendurado com os joelhos dobrados, quase tocando o chão e o cinto amarrado nas barras da janela, que fica a 1,63 metros de altura. A imagem divulgada à época fora cortada, anos depois e descobriu-se a versão original nos documentos do Serviço Nacional de Informações. Acima das barras havia outra janela, que Herzog poderia ter usado para o suicídio se quisesse.

Mais de 30 anos depois, o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira revelou que as fotos foram realmente forjadas. Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo retificou o atestado de óbito do jornalista de “asfixia mecânica” para “morte que decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-CODI)”. “Nossa expectativa agora é que a ordem judicial que manda que o crime contra meu pai seja investigado seja cumprida. Estamos no aguardo deste próximo passo”, disse ao ContraPonto, Ivo Herzog, filho do jornalista. O fotógrafo também foi responsável por registrar o corpo de Manuel Fiel Filho, encontrado em situação semelhante a Vlado. Essas fotos, porém, nunca foram encontradas.

A morte de Vlado foi importante para dar forças à resistência comunista, mas não foi a única forjada pelas autoridades. Carlos Marighella, um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar de 1964, foi morto em uma emboscada em novembro de 1969. O fotógrafo Sérgio Jorge declarou à revista Istoé, em março deste ano, que a cena que presenciou não foi a mesma divulgada pelos jornais do dia seguinte. Segundo ele, o corpo de Mariguela, que nas fotos aparece no banco traseiro de um fusca branco, estava inicialmente no banco do motorista. Antes de deixar que os fotógrafos registrassem algo, os policiais colocaram o corpo no chão, revistaram os bolsos e o colocaram no banco de trás.

Há três diferentes versões para a morte da Carlos Marighella: A primeira, dos militantes, diz que o comunista reagiu ao mandado de prisão do delegado Fleury, e por isso foi baleado. Porém, a perícia constatou que nenhuma bala saiu da arma de Marighella. Já na segunda versão, dos dois frades dominicanos, presos que a polícia usou como isca na emboscada, Marighella foi baleado já fora do carro. E a última, a do grupo Tortura Nunca Mais, que concluiu que a vítima foi baleada com um único tiro no peito, à queima roupa.


Quem foi Vladmir Herzog

Vlado Herzog (1937-1975) nasceu em Osijsk, na ex-Iugoslávia. Chegou ao Brasil em 1942 com os pais, fugindo do nazismo. Naturalizado brasileiro foi criado em São Paulo. Em 1959, Vlado entrou para o jornal O Estado de S. Paulo, onde adotou o nome Vladimir, por achar seu nome de batismo exótico.
Em 1960, o jornalista se casou com Clarice Herzog. Quatro anos após o casamento ocorreu o golpe militar de 1964. Para fugir do levante o casal decidiu viajar para Londres. Em 1968 Vlado decidiu retornar ao Brasil, mesmo ciente de toda tensão política da época. Em 1975, passou ao cargo de diretor de jornalismo da TV Cultura. 
Em 25 de setembro de 1975, Herzog se apresentou na sede do DOI-Codi, para prestar esclarecimento sobre sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Após oito horas de tortura, o jornalista acabou sendo morto. (Victor Moreira) 

Quem foi Marighella


Carlos Mariguella nasceu em Salvador, em 1911. Foi poeta, político e um dos principais guerrilheiros na ditadura mi-litar. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro. Elegeu-se deputado federal pelo PCB, em 1946 e perdeu o mandato poucos anos depois.  Participou da União da Juventude Comunista. Em 1964, com o golpe militar, Mariguella foi baleado em um cinema e levado pelos policiais do DOPS. Por decisão judicial, foi libertado no ano seguinte. Publicou dois livros sobre a revolução e voltou a participar ativamente da luta armada.  Em 1967, fundou a ANL – Aliança Nacional Libertadora. Em 1969, a ALN seqüestrou o embaixador norte-americano Charles Elbrick. Mariguella foi morto a tiros em 4 novembro de 1969, alvo de uma emboscada. A ação foi comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. (Ana Laura Soares)