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Os entraves da anistia

Lei da Anistia ainda é alvo de dúvidas e questionamentos

Por Leo Raoni

Muito se questiona sobre a legalidade da Lei da Anistia assinada pelo presidente João Figueiredo. A lei 6.683 de 28 de Agosto de 1979, concedeu o benefício da anistia em um período compreendido entre 2 de setembro de 1962 e 15 de agosto de 1979, a todos que cometeram crimes políticos e conexos, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e demais punições relacionadas ao tempo de repressão.

Figueiredo sancionou a Lei da Anistia sob o caráter de “Ampla, Geral e Irrestrita”, porém, ao passo em que garante a extinção dos crimes pela parte dos reprimidos, também extinguiu a culpa dos repressores.

Esse processo de anistia garantiu aos militares uma salvaguarda, pois não seriam julgados por quaisquer violações dos direitos humanos cometidas àquela época.

Segundo Maria de Lourdes Colacique Silva Leme, membro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Mogi, “há juristas que afirmam que essa Lei também beneficia torturadores e agentes da ditadura (chamada de anistia de dupla mão), embora haja discordâncias, como sempre acontece no mundo jurídico”.

Deve-se à Lei de Anistia, um dos fatores de que a Comissão Nacional da Verdade não tenha caráter judicial ou persecutório. Pela lei, a Comissão da Verdade tem limitações, diferentes de outras Comissões da Verdade em outros países como Argentina e Chile.

“A Comissão da Verdade não tem poderes para realizar abertura de processos, inquéritos etc. Isso fica a cargo do que dispõe a Lei de Anistia. Mas mesmo não sendo punitiva, a Comissão da Verdade será útil para revelar uma série de ações que marcaram essa época”, relata Maria de Lourdes.

Os obstáculos são muitos. Na lei 6.683, uma das grandes dúvidas está no texto onde se lê no art. 1º:
 “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes (...)”.

A palavra conexo tem sentido de ligado, conectado. Ou seja, de acordo com a lei assinada por Figueiredo, todos os atos ligados direta ou indiretamente aos crimes políticos cometidos à época de repressão (incluindo as violações aos direitos humanos), estão perdoados.

Um exemplo disso é alguém que rouba um carro e após esse delito, rouba um banco. Um crime está conexo ao outro.

Ainda nesse sentido, em  uma consulta feita ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, teve como parecer o indicativo de que a Lei da Anistia deve prevalecer, ou seja, ela está acima de deliberações posteriores.








As Comissões da Verdade pelo Mundo

O Brasil não é o único país que sofreu com um sistema político repressor. Violações aos direitos humanos aconteceram na história de outros países. As Comissões da Verdade pelo mundo já contabilizam mais de 40. Veja:


Em 1983, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) foi instituída, investigando as violações dos direitos humanos realizadas por militares e outros agentes do Estado na época.  A comissão, que contava com 13 pessoas e mais de 60 membros, examinou cerca de 9 000 casos. Até mesmo ex–presidentes como Jorge Videla e Reynaldo Bignone foram condenados.


Canadá - Atual – Com a política estável, esse país instaurou uma Comissão da Verdade para averiguar as violações de direitos humanos dos indígenas que lá habitavam.



Chile – O militar Augusto Pinochet governou o Chile de 1973 a 1990. Após a redemocratização do país, foi criada a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação para apurar mortes e desaparecimentos du-rante o regime militar. Em 2009, a pedido de organizações de direitos humanos, o Parlamento chileno reabriu a Comissão da Verdade. 28 mil denúncias foram apuradas nessa nova fase.




Uganda – Em 1974 foi instituída a Comissão para Investigação de Desaparecimentos de Pessoas, sob o governo de Idi Amin. Primeiro caso conhecido de Comissão da Verdade.





África do Sul – Criada em 1995, a Comissão da Verdade e Reconciliação buscava esclarecer e investigar violações aos direitos humanos no regime de apartheid. Nelson Mandela instituiu a comissão e permitiu aos perpetradores um processo conhecido como “anistia pela verdade”: uma espécie de autodelação premiada, em que os autores das violações poderiam revelar integralmente os fatos relacionados a seus atos.