ENTREVISTA
“Não me arrependo de nada. Nem vou me arrepender”
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Por Ana Laura Soares
Para ouvir o outro lado, o ContraPonto entrou em contato com diversos policias e acusados de violação dos direitos humanos. Apenas um concordou em falar. Rogério* trabalhava para Fleury durante a ditadura militar no Brasil. Fleury era delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), de São Paulo, e sofreu acusações pela prática de tortura e homicídio contra os opositores do regime militar. Rogério teve contato o sistema político da época e contou em poucas palavras como foi.
ContraPonto - Qual era a sua função na época da ditadura militar no país?
Rogério - Motorista policial.
ContraPonto - Como você entrou no sistema?
Rogério - Na época todas as forças de segurança foram convocadas pelo Estado ao combate aos grupos terroristas opositores ao governo.
ContraPonto - Você era a favor da ditadura?
Rogério - Não, era a favor do cumprimento das leis.
ContraPonto - Acha que a ditadura pode voltar?
Rogério - Acho que vivemos em uma ditadura, que temos deveres e não temos direitos.
ContraPonto - Você teve contato com o delegado Fleury? Como ele era?
Rogério - Sim, era uma pessoa honesta, inteligente, que cuidava da ordem social. Que tinha vários homens de confiança, porém era subordinado às autoridades governamentais.
ContraPonto - Você chegou a torturar alguém?
Rogério – Não, minha função na época era simplesmente dirigir as viaturas oficiais.
ContraPonto - Como você se sentia sabendo que pessoas eram torturadas no seu ambiente de trabalho?
Rogério - Era difícil, pois sabíamos do que acontecia, mas nós não participávamos. Apenas prendíamos e apresentávamos as pessoas às delegacias.
ContraPonto – Você se arrepende de ter participado do movimento?
Rogério - Não, do que eu fiz não me arrependo de nada. Nem vou me arrepender.
ContraPonto - Você tem medo de sofrer alguma consequência por ter participado?
Rogério - Não, em absoluto.
ContraPonto - Você acha que os responsáveis pela tortura deveriam ser punidos?
Rogério - Não teve responsáveis pela tortura. Existiu uma polícia que obedecia ao governo, e ela era situação e não oposição. Hoje ela é o PT, atende quem esta comandando. É situação e não oposição. Mas eu não cumpria ordens absurdas.
ContraPonto - O que são “ordens absurdas”?
Rogério - Ser contrário à vontade da pessoa. Nunca me mandaram, mas se mandasse não faria.
ContraPonto: Você participou da ação que resultou na morte do Marighella?
Rogério - Não, não participei.
ContraPonto - Teve contato com presos políticos famosos? Quais?
Rogério - Sim, mas a gente transportava tanta gente que é difícil lembrar. Eu levava eles do Dops e do DOI-Codi para o fórum. Esperava a audiência começar e trazia de volta. Só isso.
ContraPonto - Sua família sabia sobre seu trabalho? Era a favor?
Rogério - Sim, minha família sempre foi a favor do que fiz.
ContraPonto: Você é contra a Comissão da Verdade?
Rogério - Não sou contra, não presenciei, nem ouvi, nem assisti nada sobre. Não tive vontade.
ContraPonto - Voce acha que se a ditadura voltasse, os jovens responderiam da mesma forma?
Rogério - Não, hoje não, hoje seria pior. As armas são mais pesadas, existe um governo que comanda muita gente.
*Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.